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Retrato perfeito de um bairro familiar paulistano, com suas formosas ruas cheia de curvas, suas praças a cada quarteirão. O comércio localizado em suas largas avenidas que se encontram com o Santuário Nossa Senhora do Sagrado Coração, igreja construída no começo da década de 50 que marcou gerações com ótimas lembranças, uma delas, o badalar de seus sinos, marca registrada da Vila Formosa. A grande praça central Dr. Sampaio Vidal com suas lojas e restaurantes, logo em frente, a conhecida Sociedade dos Amigos de Vila Formosa, um ponto de encontro e lazer das famílias, e o Hospital Maternidade Nossa Senhora do Sagrado Coração. Um pouco mais à frente o seu grande Mercado Municipal, o Mercadão como é famosamente conhecido, pode-se dizer que o mais conhecido ponto turístico na década de 70, onde chegavam pessoas de lugares distantes para fazer suas compras. E claro, não podia deixar de ser lembrado, o Centro Esportivo, Recreativo e Educativo do Trabalhador, o CERET, um grande local para o lazer, cultura, esporte, recreações esportivas e educacionais.
É com este cenário que começamos a contar uma grande história de dois membros de uma família que aprenderam os segredos das artes marciais e dedicaram suas vidas por amor a uma arte, e para transformar a vida de pessoas através de seus ensinamentos, em exemplos de caráter, virtudes e boas ações.
Tudo começou quando Luiz Ribeiro Távora começou a praticar esporte aos 14 anos de idade por incentivo de seu tio, João Francisco Ribeiro, que já era praticante de Halterofilismo. Nessa época, tudo era mais difícil e havia poucos lugares para a prática de esporte, não existia as academias luxuosas de hoje. Quem tinha mais condições e tempo, buscavam formas de ir à academia de lutas depois do trabalho. Motivos que levaram João Ribeiro a improvisar com arte seus próprios aparelhos em sua casa. Essa época era cheia de preconceitos e dificuldades, o que forçou Luiz Ribeiro a treinar escondido de seu pai, José Ribeiro, que acreditava que o tempo deveria ser dedicado aos estudos.
Nossos pais sempre diziam que música e futebol eram coisas de desocupados. As famílias possuíam hábitos e costumes, que foram se modificando com o crescimento da população e dos estudos através dos anos.
A vida de um mestre
Vila Formosa, 1963
Por Alexandre Fernandes de Oliveira
01 de maio de 2020
1965
Início de uma parceria
Dois anos mais tarde, Luiz Ribeiro já com seus 16 anos, e não era mais aquele garotinho magro e franzino como dizia seu tio, já experiente não precisava mais esconder a parceria que deu certo. Filhos de família que tinham seus costumes sociais no bairro, foram convidados a participar dos eventos da “Paróquia Nossa Senhora das Vitórias”, para ajudar a organizar as festas realizadas aos sábados no salão paroquial. Festas que arrecadavam fundos para a igreja e suas obras sociais. Ajuda necessária, pois a cada ano as famílias estavam se afastando por conta da falta de segurança, provocada por indivíduos baderneiros que provocavam desordem, desrespeito e brigas, ao ponto de interromperem as festas. Grande parte da comunidade paroquial era composta por famílias.
Foi então que sobrinho e tio, sentiram que não bastaria somente boa vontade de livrar a comunidade paroquial dos baderneiros, precisavam urgente aprender técnicas de defesa que fossem práticas, objetivas e de eficaz. Por indicação de amigos, procuraram a “Academia Silva” de Lutas Grego Romana, Luta Livre, Judô, Boxe e Karatê-do. Na época localizada na avenida São João, no Largo do Paissandu, onde treinavam os mais famosos lutadores de Grego Romana e Luta Livre, “Os reis do Ringue”. Lutadores como Aquiles, Fantomas, Tigre Paraguai, Silva e Ted Boi Marinho.
Logo no primeiro ano, após treinar um pouco de cada modalidade, o “karatê-do” despertou mais interesse e tinha maior identidade com os dois, foi o gatilho para surgir a paixão pela arte. Como relata mestre Luiz Ribeiro Távora.
"Gravo na mente o impacto na primeira aula de Karatê-do. O mestre no centro do dojo chamava um a um dos alunos para o Jyu-Kumitê (combate livre), então sentimos no sangue o que procurávamos ao ver o estilo ativo, audaz e feroz, como um tigre, com que o mestre demonstrava, precisão, reflexo e agilidade ao defender-se de golpes baixos, altos e aéreos, contra até 3 (três) adversários ao mesmo tempo, sempre em contragolpes objetivos, finalizando o adversário. Era então o sanguinário brigador, o mestre Aldo Borges Campos, na época faixa preta 1º grau. A partir desse dia iniciamos a batalha contra nós mesmos, em combater o bom combate e alcançarmos o domínio técnico, disciplina e doutrinamento desta nobre arte marcial."
Mestre Luiz Ribeiro Távora
Criador e Fundador do SBKA
O mestre dos mestres
O mestre Aldo Borges Campos, foi tenente da Força Pública e instrutor de judô, boxe e karatê-do como defesa pessoal na Academia de Polícia Militar de São Paulo. Quando criança aprendeu com seu pai, que era policial, técnicas de Defesa Pessoal, Box, Pancrácio, Tiro, Esgrima entre outras modalidades.
Já em sua fase adulta conheceu o seu mestre de karatê-do (Shotokan), o famoso sensei Juichi Sagara, respeitado no Japão, Brasil e muitos outros países. Sagara foi presidente da “Nihon Karatê Kiokai” com representantes em toda América Latina, faleceu em 2001, aos 67 anos, ostentando o 9º grau faixa preta e título de Grão-mestre, dado pelo conselho da Nihon Karatê Kiokai.
O mestre Aldo Borges Campos criou seu próprio estilo de ensino, mesclava as melhores técnicas de cada luta e deu o nome com as suas iniciais, Alborcam. Costumava dizer que, "Cada luta tem seus pontos fortes e fracos para cada situação", pois uma luta pode acontecer em um local amplo ou em um corredor estreito de um ónibus.
Não participava da Federação de Karatê, por que seus métodos eram considerados muito violentos, o Mestre Aldo instruía seus alunos a não pararem o golpe antes de atingir o adversário, pois somos o resultado de nossos treinamentos. Chegou a escrever um livro. Mestre Aldo Borges faleceu com o 7º DAN.
Reflexão
"Ninguém tem o direito de deixar morrer dentro de si, conhecimento, experiências, disciplinas e artes, que enriqueçam a formação do ser humano integral, pela simples omissão de assumir o trabalho de semear. Agir assim é como ser uma árvore estéril, não produz frutos, nem sombra aos viventes passantes".
1968
Mestre Luiz Ribeiro Távora
Criador e Fundador do SBKA
Já no nível "Seito" (discípulo assistente), Luiz Távora e João Ribeiro iniciam seu "ensino aprendizado" com a faixa azul, para meia dúzia de alunos em uma academia de Judô na rua Arapoca. Iniciando sua história na Vila Formosa, seu bairro de origem. A rua Arapoca é uma das ruas mais conhecidas por ser a pioneira no bairro, sendo referência para o tão conhecido e antigo Hospital Zona Leste – “Hospital Maternidade Nossa Senhora do Sagrado Coração”.
Sempre supervisionados pelo mestre Aldo Borges Campos, essa família de Guerreiros, deram início a sua jornada.
1969
1970
1972
Promovidos a faixa roxa, pela Associação Aldo Karatê-do - Estilo Shotokan.
Promovidos a faixa marrom, pela Associação Aldo Karatê-do - Estilo Shotokan.
Ano em que alcançam a tão esperada e almejada “faixa preta 1º grau”. Já experientes, foram se profissionalizando cada vez mais dentro das artes marciais, e chegaram a criar seu próprio estilo de luta dando origem a famosa academia "Dragões do Karatê-do - Shotokan" e neste mesmo ano promoveram o primeiro torneio de suas carreiras.
Primeiro torneio da Dragões do Karatê-do, mestre João Ribeiro (à esquerda) e mestre Aldo Borges Campos (ao centro com jaqueta).
1973
Promovidos a “faixa preta 2º grau”, pela Associação Aldo Karatê-do - Estilo Shotokan.
Campeonato no G.D.R. 7 de Setembro (Grêmio Desportivo e Recreativo 7 de Setembro, em São Paulo). Mestre João, 2º DAN em 1973.
Demonstração no encerramento do ano de 1976. Mestre João a esquerda e mestre Luiz a direita. Ambos no 2º DAN na época.
1978
Professores já experientes e ganhando notoriedade, os mestres foram se tornando conhecidos na região e ganharam experiência em administrar quatro academias em São Paulo, e com oito alunos formados faixa preta.
Neste mesmo ano alcançam a “faixa preta 3º grau”, pela Associação Aldo Karatê-do, com um considerado número de alunos ativos, iniciava assim o que seria chamado mais tarde, "Império Dragões do Karatê-do", com participações em torneios e muitos troféus conquistados.
1981
Em dezembro de 1981 chega ao fim a parceria entre os mestres Luiz Ribeiro Távora e mestre João Francisco Ribeiro. Uma nova fase se inicia na vida de cada um, cheia de vitórias e conquistas.
O legado "Dragões do Karatê-do", abre espaço para uma nova era entre os mestres.
1982
Em janeiro de 1982, mestre Luiz Távora passa a usar este momento de transição, e passa analisar a fundo todo o seu conhecimento adquirido por anos. Meditando sobre a forma com que seu mestre Aldo Borges desenvolveu seu próprio estilo, mesclando um pouco de cada arte.
Mestre Luiz sobe mais um degrau nas artes marciais seguindo os passos de seu mestre e se tornando também um mestre criador de seu próprio estilo, um mestre que não se limitou a inovar e evoluir. Fugindo de regras que não cabiam mais com os tempos modernos da época e criou um “sistema” que significa, “A união que faz a força”, nada mais do que, a união de pessoas diferente, mas com propósitos comuns.
Assim nasceu um novo "sistema" de arte marcial que não se limitou a evoluir a cada ano. Mestre Luiz Ribeiro Távora desenvolveu o “S.B.K. Sistema Brasileiro de Karatê” e lança também uma nova marca para a academia. "SBK Dragões Guerreiros do karatê-do". O Sistema Brasileiro de Karatê.
Mestre Luiz Ribeiro Távora recebe o apoio e incentivo de seu tio João Ribeiro. Este é o verdadeiro caminho dos campeões.
Essa foto representa bem "A união que faz a Força". Pensamentos diferentes e propósitos comuns. A busca pela paz que combate a violência.
1984
Mestre Luiz Távora sentiu necessidade de mudar o nome “Dragões”, pelo fato das pessoas não conseguirem diferenciar uma academia da outra, embora separados, ainda existia um vínculo muito grande devido ao sucesso da academia, e muitos conheciam apenas como a academia dos Dragões.
Resolveu então fazer mais uma mudança geral em sua arte, modificando também as cores do uniforme para vermelho e branco, deixando o preto apenas para os faixas preta.
A partir desse ano o número de alunos aumentou por se identificarem com a beleza dos movimentos, paralelo ao belo visual de seu uniforme, que chamou a atenção por ser uma academia inovadora e organizada chamada:
S.B.K.
Guerreiros do Karatê-do
Reflexão
“A cultura de uma Nação e do Cidadão se expressam pelas artes, sejam naturais, culturais ou acadêmicas, a cultura é a base fundamental da Nação e do Cidadão. Pois trata do perfil, sentido, existência, finalidade e personalidade de um povo. Somente um povo culto promove sua soberania, quando medita uma cultura ampla e universal para firmar seus valores ante a cultura mundial. Conforme já nos resguarda a Constituição Brasileira no seu Capítulo III, que trata da cultura, educação e esporte, na seção III, artigo-217, inciso IV que reza: É dever do Estrado fomentar práticas esportivas formais ou não formais, como direito de cada um, observadas a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional”.
Mestre Luiz Ribeiro Távora
Criador e Fundador do SBKA
1986
O legado dos mestres
Mestre Luiz Távora e alunos. Foto revista Placar 1986.
Dragões e guerreiros, definitivamente a ciência marcial ganhou a forma brasileira. O espírito e a garra do brasileiro que não foge a luta. Povo sofrido que venceu momentos difíceis com sua criatividade e bom humor. Passamos pelo regime militar, superamos fases de crises com a troca de governo em que produtos sumiam das prateleiras dos supermercados, leite era um produto que o povo faziam filas gigantescas de madrugada para comprar e muitos não conseguiam o produto. Gasolina aumentava a cada semana e gerava também filas gigantes nos postos de gasolina.
Enfrentamos vários pacotes do governo para conter a inflação, em meio a corrupção que o povo jamais imaginaria que acontecia naquela época. O povo brasileiro sempre foi explorado, enganado e roubado pelos políticos. Quando alguém ganhava espaço e encontrava formas de sobreviver, logo era explorado por fiscais, ou seja, divide o bolo ou cai fora. Iniciava aí uma outra batalha dos mestres guerreiros.
A corrupção existe também no esporte e tentaram denegrir a imagem dos mestres de todas as formas simplesmente por não entrarem no jogo de uma federação em que o interesse é apenas próprio, arrancar o dinheiro com a desculpa que é para garantir a segurança e o desenvolvimento do esporte. O Brasil nunca alcançou sucesso nas olimpíadas por não investirem no esporte.
As academias Dragões e Guerreiros incomodavam tanto os cartolas do esporte e da mídia, e por não terem controle sobre nossa instituição era muito mais fácil chamar um trabalho sério de clandestino.
A sociedade teve problemas com a criminalidade na época, como qualquer outra época, tudo por conta de um desgoverno, e não por academias de artes marciais. Corrupção e preconceito existiam, e a academia destes dois grandes mestres, além de cuidar da saúde física de seus alunos, fez também o trabalho do governo, dar educação, tornando seus praticantes cidadãos dignos, honestos e batalhadores. Procurem alguém hoje que não reverencie e só tenha coisas boas para falar do momento que viveram dentro da academia, o quanto hoje são pais e avós honrados e agradecidos pelos ensinamentos.
Mestres João e Luiz venceram uma grande batalha, a batalha na vida, a batalha da moralidade e dos bons costumes. Desempenharam de maneira honrosa e exemplar seus papéis de mestres nas artes marciais, e contribuíram com o desenvolvimento da sociedade, transformando a vida de pessoas a seu redor.
1987
O Filme
Os esforços e estudos do mestre Luiz Ribeiro começaram a despertar interesses de pessoas sérias, e isso levou um amigo do mestre, indicá-lo ao SBT para interpretar um Mestre de Arte Marcial, protagonista de uma série a ser produzida pelo SBT.
O piloto de um drama entre adolescentes, onde o mestre treina, disciplina e doutrina seu discípulo, para que com autoconhecimento e sabedoria, enfrente os seus conflitos, a série tinha o título de “O jovem guerreiro”.
Foi ao ar o capítulo piloto, e os seguintes por falta de patrocínio, a emissora não deu continuidade. A seguir palavras do mestre para seu discípulo que buscava vingança.
“Não! Vingança não!!!
A vingança é violenta! A sabedoria de lutar não faz parceria
com a violência!
Você vai ser instruído pelo Sistema de Luta, Guerreiros do Karatê-do!
Que conduz o iniciante à procura de si próprio, em busca de uma paz interior, que combate a violência.
A arte de lutar meu filho! Leva a serenidade e não a violência, somente os fracos e covardes se vingam!
Os fortes e sábios aguardam!
Você deve aguardar! Deve aguardar!"
Mestre Luiz Ribeiro Távora
Criador e Fundador do SBKA
Aqui você vai acompanhar com detalhes a segunda fase que começou em 1990
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